“O sonho é a estrada real que conduz ao inconsciente” (Freud, 1899). Durante seus estudos psicanalíticos, Freud deparou-se com a interpretação dos sonhos e verificou que nosso inconsciente pode manifestar-se através de alguns canais: os sintomas, os chistes, os atos falhos, os lapsos e os sonhos. O conteúdo dessas manifestações revela impulsos e desejos reprimidos tanto pelas pressões externas (as regras sociais), quanto pelas internas (repressões acumuladas desde a infância). Um psicanalista tem acesso ao conteúdo dos sonhos de um paciente através do relato do mesmo, mas vale salientar que aquilo que nos lembramos não é sua totalidade, além do que o inconsciente utiliza-se de disfarces para que seu conteúdo não seja revelado.
É ao redor do sonho como mecanismo de acesso ao inconsciente humano que gira o roteiro de A Origem. Cobb (Leonardo DiCaprio) e Arthur (Joseph Gordon-Levitt) são ladrões nos sonhos, ou seja, eles entram no inconsciente da vítima enquanto ela dorme (e eles também) para roubar a informação que precisam. Nada melhor que ir até a origem para isso. A trama aparentemente complexa inicia-se com os dois tentando roubar uma informação do inconsciente de Saito (Ken Watanabe), o qual queria ver com os próprios olhos (ironicamente fechados) esse tipo de ação já que iria contratar esse serviço. Saito não quer roubar algo de Robert Fischer Jr. (Cillian Murphy), herdeiro de uma mega corporação, mas sim implantar uma ideia capaz de modificar o rumo das coisas (nesse caso, que o pai dele o ama). Para realizar essa tarefa, os três contam com a ajuda da estudante em arquitetura Ariadne (Ellen Page) e o falsário Eames (Tom Hardy), mas também com o atrapalhamento da ex-mulher de Cobb, Mal (Marion Cotillard), que tende a estragar as coisas.
Christopher Nolan foi muito bem sucedido nesse projeto: há muita qualidade no elenco, no roteiro, na direção, nos efeitos especiais, no ritmo frenético da história, na trilha sonora. O elenco está afinado, em sintonia, contando até com a participação do Michael Cane como o pai de Leonardo DiCaprio. Esse último anda acertando os projetos no qual participa, inclusive o anterior, Ilha do Medo, possui semelhanças com A Origem: relacionamento mal-resolvido com a ex-mulher envolvendo tragédia, temática psicológica, trama complexa, etc. Ellen Page é dona de uma personagem importante para trama e para o espectador, pois graças a ela é que muito do que ocorre é explicado, visto que é a novata do grupo. Marion Cotillard está excelente como a vilã Mal (sem trocadilhos em português), demonstrando mais uma vez que é uma atriz completa e pode ser tão boa em outros papéis quanto foi em Piaf.
O roteiro é muito inteligente, criativo e artístico, demonstrando que o blockbuster pode caminhar junto com o chamado filme de arte. A trama é aparentemente complexa, mas logo no começo nós somos apresentados à ideia do sonho em três camadas e a partir disso as informações são apresentadas conforme necessárias. A complexidade mesmo acontece no final, pois esse fica aberto a interpretações, o que é um ótimo recurso, capaz de gerar discussões intermináveis entre os espectadores. O clímax (a partir do momento que há o chute do primeiro sonho) dura quase 50 minutos e é capaz de gerar tensão na platéia, ainda mais sendo acompanhada pela arrepiante trilha sonora do mestre Hans Zimmer. O ritmo é frenético, capaz de fazer com que as 2 horas e 28 minutos de projeção pareçam 1 hora e meia (inverso ao tempo dos sonhos, que parecem mais longos que a realidade). Falto ainda comentar um elemento muito importante no filme: os efeitos especiais, que são espetaculares. É de cair o queixo a batalha sem gravidade de Arthur nos corredores do hotel ou Paris sendo dobrada como folha de papel ou o limbo com os prédios destruídos. Há outra cena brilhante que é aquela em que a Ellen Page abre umas portas-espelho e é como se não houvesse uma câmera filmando aquilo.
Christopher Nolan demonstra mais uma vez que é um diretor brilhante, capaz de criar filmes instigantes, cheios de mistério e inteligentes como Amnésia e O Grande Truque. Alguns críticos acusam-no de plágio à história do tio Patinhas ou que é apenas um filme de assalto embrulhado em conceitos de sonhos ou que por mais que seja revisto, a história não tem lógica e nunca o final será realmente desvendado ou que a trilha sonora mais parece som de vuvuzelas. Talvez sejam comentários daqueles que esperavam mais ou querem ser do contra de um dos filmes mais esperados de 2010. Uma coisa acho que Nolan conseguiu: reunir um elenco invejável numa trama ao mesmo tempo instigante e inteligente, capaz de criar um longo e tenso clímax, além de ter uns dos melhores efeitos especiais vistos no cinema em toda sua existência, gerando um filme ao mesmo tempo “pipoca” e artístico. Até então atribuía a Amnésia o título de sua obra-prima, mas depois de A Origem isso é algo a se pensar.
Nota: 10
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